domingo, 12 de setembro de 2010

Até a última folha cair.



O vento e o sol anunciavam o amanhecer e a luz banhava a rua, ofuscando os olhos semi-abertos dos moradores. Ele acordou em sua terceira manhã de férias e da janela olhou-me com a mesma ternura que tinha há dez anos. Talvez hoje fosse um dia diferente dos outros, ou mesmo um daqueles dias em que uma sobra era sempre acolhedora, e isso não seria problema.
O cheiro do café dava vida à casa que até então parecia dormir. Aos poucos sentia cada parte, em uma delas o nosso segredo. Orgulhava-me daquela caixa presa às minhas aízes. A caixa que resistiu ao tempo e guardou cada momento, até mesmo quando não pude lhe esconder entre as raízes, e o vento arrancava aos poucos as folhas.
Achava que ele não lembraria daqueles bilhetes e da caixa com os segredos de uma vida. Estava abandonada, mas sabia que nada tinha mudado. Era esperado que a vida agora o tomasse nos braços e os velhos galhos fossem lembranças da infância; como as cartas de amor que estavam na caixa. Segredos que guardei com força, dentro da minha pequena alma e suas emoções que afinal eram também minhas; pois eram as únicas oferecidas a alguém no quintal de uma casa.
Naquela manhã, depois de tanto tempo, ele lembrou-se de mim. Desceu as escadas, comeu o que tinha na mesa e veio sentar-se do meu lado. Lia um livro que nunca tinha visto e ele concentrava-se, enquanto eu passava despercebida. Involuntariamente, rangi naquela madeira velha, mostrando-lhe a caixa; e como quem descobre um tesouro, ele abriu-a, fascinado.
Contemplando aquelas cartas e fotos, lembrávamo-nos de cada momento. Do seu esconderijo, uma pequena casa entre as folhas, nos dois galhos mais altos, onde trocávamos confidências silenciosas. Ainda restavam alguns pedaços de madeira, até o último inverno quando ele quebrou o restante.
Desde os oito anos, acompanhei cada choro e alegria, porque no fim de casa uma destas, ele sempre buscou no quintal de sua casa, guardar cada sentimento, sentado nas minhas raízes e eu absorvia aquilo a cada dia. Provável que a minha indiferença faria daquele lugar a minha vida, mas por cada emoção dele eu vivi e eternizei-me alí, junto àquela caixa. Ele continuou a visitar-me até o último inverno, quando minhas folhas caíram pela última vez.

Felipe Peixoto.
Conto dedicado à minha amiga Yngrid Sydnara.

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